“A única coisa capaz de formar um ser humano é a consciência crítica, a capacidade de pensar seu ambiente e suas relações.
Alfabetizar é isso, não é aprender a escrever o próprio nome num papel.”

Paulo Freire

EJA NA EDUCAÇÃO PRISIONAL - PROPOSTA PEDAGÓGICA

PROPOSTA PEDAGÓGICA
EJA E EDUCAÇÃO PRISIONAL
EDUCAÇÃO PARA JOVENS E ADULTOS PRIVADOS DE LIBERDADE: DESAFIOS
PARA A POLÍTICA DE REINSERÇÃO SOCIAL
Elionaldo Fernandes Julião
1. FUNDAMENTOS
O Sistema prisional brasileiro passa por uma crise sem precedentes. Por todo o país espalham se
evidências de um acelerado e perigoso processo de deterioração. As prisões são uma bomba-relógio que a sociedade resiste a enxergar, apesar da freqüência e da selvageria das rebeliões.
Nos 1.006 estabelecimentos penais do país, encarceram-se mais de 350 mil pessoas. Por mais
que se construam novas prisões, a população carcerária no Brasil cresce assustadoramente.
Nos últimos 13 anos, algo entre 5% a 7% ao ano. Em uma década (1989 a 1999), esse
contingente dobrou, mas o investimento em construção de presídios não acompanhou esse
crescimento. A cada mês, o sistema prisional recebe mais de 8 mil pessoas, enquanto liberta
apenas 5 mil. Estima-se que, para acabar com a superlotação, seria preciso criar mais de 130
mil vagas.
Diante deste quadro que assola o sistema penal brasileiro, estima-se que cerca de 30% da
população prisional poderia estar cumprindo penas alternativas. A aplicação no Brasil não
chega a 10% dos casos, enquanto na Europa, por exemplo, atinge 70%. Discute-se que cerca
de 95% da população prisional brasileira não ofereça perigo à sociedade, pois, segundo
informações do Departamento Penitenciário Nacional (órgão do Ministério da Justiça), um
terço desta população não cometeu crimes violentos, a maioria foi presa por furto, roubo e
venda de drogas. Os homicídios configuram a minoria dos casos, apenas 8,9%.
Contraditoriamente, estima-se que a reincidência da população carcerária no país esteja em
torno de 50 a 80%.
O perfil dos presos reflete a parcela da sociedade que fica fora da vida econômica. É uma
massa de jovens, pobres, não-brancos e com pouca escolaridade. Acredita-se que 70% deles
não chegaram a completar o Ensino Fundamental4 e cerca de 60% tem entre 18 e 30 anos —
idade economicamente ativa.
Cada detento custa aos cofres públicos do Estado, em média, cerca de R$750,00 por mês, ou
seja, dois salários mínimos6, chegando em alguns estados a alcançar R$1.200,00.
A falta de políticas públicas para atendimento aos presos que pagam suas dívidas com a
Justiça e retornam às ruas dispostos a levar uma vida normal ajuda a alimentar a espiral da
criminalidade. Quem se “ressocializa”, geralmente o faz por conta própria, pois, em uma
avaliação mais aprofundada dos fatos, poucas são as propostas do Estado existentes para tal.
A Lei de Execuções Penais, por exemplo, exige que todos os condenados exerçam algum tipo
de trabalho, bem como que os presos tenham garantido o acesso ao Ensino Fundamental7. Mas
apenas 26% participam de alguma atividade laborativa e 17,3% estudam.
Em qualquer parte do mundo ocidental, quando se fala em programas de ressocialização para
a política de execução penal, pensa-se em atividades laborativas e de cunho
profissionalizante, bem como atividades educacionais, culturais, religiosas e esportivas.
A atual legislação penal brasileira prevê que a assistência educacional compreenderá a
instrução escolar e a formação profissional do preso e do interno penitenciário. Institui como
obrigatório o Ensino Fundamental, integrando-se ao sistema escolar da unidade federativa. Já
o ensino profissional deverá ser ministrado em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento
técnico.
Em atendimento às condições locais, institui que todas as Unidades prisionais deverão dotarse
de biblioteca provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos e que, devido à
abrangência e à particularidade da questão, as atividades educacionais podem ser objeto de
convênio com entidades públicas ou particulares, instalando escolas ou oferecendo cursos
especializados.
O tema educação é interpretado na Lei de Execução Penal distintamente pelos diversos
estados. Enquanto uns vêm investindo na implementação de ações e políticas de incentivo à
educação como prática na execução penal, outros pouco ou quase nada fazem nessa direção.
A educação como programa de reinserção social na política pública de execução penal é um
assunto ainda nebuloso. Reduzidas são as discussões que vêm sendo implementadas nesta
direção. Poucos são os estados que reconhecem a sua importância no contexto político da
prática carcerária.
Reconhecidamente como atividades educacionais, poucas são as experiências que vêm se
consolidando ao longo dos anos no país. Uma das experiências consideradas exitosas é a do
Rio de Janeiro que, desde 1967, vem implementando ações educativas regularmente nas
Unidades Prisionais, por meio de convênio com a Secretaria de Estado de Educação. Os
outros estados possuem ações isoladas e muitas vezes não-institucionalizadas. São geralmente
projetos de curta duração e com atendimento reduzido. Muitos não conseguem nem mesmo
cumprir o que determina a Lei de Execução Penal, ou seja, o oferecimento do Ensino
Fundamental para seus internos penitenciários.
A opção por tirar da ociosidade uma grande massa da população carcerária, levando-a à sala
de aula, não constitui privilégio — como querem alguns —, mas, sim, uma proposta que
responde ao direito de todos à educação e atende aos interesses da própria sociedade.
Felizmente, embora tarde, inicia-se no país uma reavaliação do papel desempenhado pela
educação como prática de reinserção social no programa político público de execução penal,
em que se equipara o ensino ao trabalho, instituindo a remição da pena também pelo estudo Os Ministérios da Educação e da Justiça, reconhecendo a importância da educação para este
público, iniciaram também, em 2005, uma proposta de articulação nacional para
implementação do Programa Nacional de Educação para o Sistema Penitenciário, formulando
Diretrizes Nacionais. A referida proposta, apoiada pela Unesco, culminou em 2006 com o I
Seminário Nacional de Educação para o Sistema Penitenciário.
O tema Educação para Jovens e Adultos privados de liberdade, nos últimos anos, vem
alcançando internacionalmente um inacreditável destaque8. A partir de 2006, iniciou-se um
movimento governamental na perspectiva de criação da “primeira rede latino-americana de
educação nas prisões”. O objetivo da rede, à luz do que vem sendo realizado sobre o tema em
outras regiões do mundo, como na Europa, por exemplo, é investir no intercâmbio de
experiências, bem como consolidar práticas que institucionalizem uma política educativa para
o sistema penitenciário da América Latina.
Em linhas gerais, educação e trabalho como proposta de inclusão social para detentos e
egressos do sistema penitenciário é tema ainda pouco explorado pelos estudiosos e que está a
exigir pesquisas e reflexões, especialmente no que se refere às alternativas de trabalho e
educação para qualificar um contingente de pessoas tão heterogêneo, tanto do ponto de vista
sociocultural quanto educacional. É com a certeza de grande relevância nessa discussão que
denunciemos a carência de investigação sobre o assunto, bem como a necessidade de
institucionalização de políticas que consolidem práticas exitosas.
Diante do quadro apresentado, da especificidade do tema e da escassa produção acadêmica
direcionada para essa área de estudos, acredita-se que esse material poderá contribuir para a
discussão sobre as políticas públicas desenvolvidas no sistema penitenciário brasileiro,
principalmente no que se refere à necessidade de investimento em políticas de execução penal
que privilegiem a reinserção social dos que, tendo cumprido suas penas, devem se reintegrar à
sociedade. O direito à educação de homens e mulheres não pode continuar a ser negado como
mais uma punição, já que tal punição, quando definida pela Justiça, passa a ser cumprida. Mas
é certo pensar que o direito à educação — como direito fundamental e humano — negado a
tantos homens e mulheres, se cumprido como dever pelo Estado, talvez pudesse ter contribuído para a humanização e a formação desses sujeitos e, quem sabe, reduzido o índice de delitos. Portanto, impõe-se aos educadores, de posse desses subsídios, participar do debate sobre os rumos tomados pelas políticas contemporâneas de execução penal no atual contexto sócio-político-econômico-cultural.

Extraído; Salto para a Futuro. Boletim 06, maio 2007. Tv escola. SEED-Mec
Postado por Marília